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Construir em madeira? Porquê?

  • Foto do escritor: Luis Morgado
    Luis Morgado
  • 16 de dez. de 2021
  • 8 min de leitura

Atualizado: 23 de mar.

A madeira arde, retrai, incha, racha, apodrece, e muda de cor. Mas, pior ainda, é um material que, se o queremos utilizar na construção, nos obriga a destruir a floresta. Depois de todos estes factos, porquê então usar a madeira na construção? A resposta exige uma linha de argumentação que terá que ter em conta outras questões que surgem de imediato: Porque se utilizou a madeira no passado? Porque se abandonou o seu uso? Porque se assiste agora a um renascimento? Quais as implicações do uso da madeira na floresta?

Finalmente, ainda que possamos justificar o seu uso noutros países, será que o poderemos fazer em Portugal?

No passado a madeira foi utilizada por conveniência, ou seja, utilizava-se quando e onde era o material mais fácil de obter. Noutros casos, mesmo com outros materiais disponíveis, acabou por ser escolhida por ter um comportamento muito bom. Tal era a situação das estruturas das coberturas, e dos pavimentos onde a sua leveza, combinada com a resistência à flexão, a tornavam num material sem competição.


Celeiro de madeira desgastada com cerca de troncos na frente. Vegetação verde ao redor, céu nublado, árvores ao fundo. Atmosfera rural.
Daniel Stong’s Armazém de cereais em Black Creek Pioneer Village, Toronto, Canada. Foto Luis Morgado.

Historicamente, para além da excepção de algumas geografias que persistiram teimosamente no uso da madeira, a maior parte dos edifícios institucionais, que se queriam feitos para durar, eram construídos em pedra, ou tijolo. A partir do século XIX com o acesso a materiais de construção como o aço e o betão, a tendência iniciada anteriormente, estendeu-se a todos os domínios da construção. Poderíamos resumir a justificação do abandono da madeira, a dois factores evidentes: a madeira é pouco durável e a madeira é combustível.

O que mudou então para que hoje a madeira esteja a renascer com uma extraordinária dinâmica nos domínios da Arquitectura e da construção?

Quatro factores principais podem ser apontados para justificar este retorno: em primeiro, a evolução tecnológica dos produtos de madeira, em segundo a criação de um quadro normativo eficiente, em terceiro a actualização dos regulamentos de segurança contra riscos de incêndio, e o quarto factor consiste na atracção que a madeira suscita em qualquer ser humano, e em especial nos arquitectos, por ser bela, quente, orgânica, e sempre única.

A invenção de produtos derivados de madeira, ou compostos de madeira proporcionou uma nova gama de produtos, como os lamelados e os laminados que podem superar a madeira maciça em aspectos como a resistência e a durabilidade. Já as normas aplicáveis à madeira na construção resultam de um maior conhecimento dos factores que afectam a sua integridade, estabelecendo condições e oferecendo garantias de qualidade na sua utilização. Os regulamentos de segurança contra riscos de incêndio passaram recentemente a ser mais pragmáticos em relação à madeira e a considerar objectivamente o comportamento dos materiais e a existência de novos meios para combater o fogo.

Por parte dos arquitectos, por serem responsáveis pelo desenho dos suportes de vida artificiais do nosso planeta, sente-se uma enorme vontade de minimizar o impacto dos edifícios e das cidades no meio ambiente. Há muito tempo que os arquitectos sabem que o ambiente lhes pede para utilizar materiais renováveis. Assim, o renascimento arquitectónico da madeira é justificado não só pelas suas magníficas qualidades estéticas, mas também pela sua prestação ética, ou seja, pelo seu bom comportamento ambiental. É conhecido o contributo da madeira para algumas das missões mais importantes da actualidade, tais como a redução do consumo de energia e a redução das emissões de Carbono.


Estrutura em madeira e vidro com padrão ondulado à esquerda, céu nublado e árvores ao fundo à direita. Atmosfera tranquila e natural.
South Pond Pavilion, Chicago Lincoln Park Zoo, EUA, por Studio Gang. Foto Luis Morgado.

Mesmo sem considerarmos índices e cálculos, que são complicados, e que por vezes conduzem a resultados contraditórios e convenientes ou inconvenientes, dependendo do lado em que estamos, olhemos para a matéria-prima em si e vamos às fontes: Comparemos uma mina de ferro, uma pedreira e uma floresta. Qual delas conseguimos regenerar com menos meios e menor impacto? Comparemos uma metalúrgica com uma serração, ou uma fábrica de transformação de pedras ornamentais com uma carpintaria. Quais exigem mais energia para transformar as matérias-primas? As respostas parecem-nos evidentes.

Estes argumentos podem ser convincentes… até pensarmos na floresta. Para utilizarmos madeira na construção teremos de cortar árvores. E sabemos que as árvores e as florestas são um meio essencial para manter o equilíbrio do planeta. As árvores, como nos ensinaram nos tempos da escola, absorvem Carbono e fornecem-nos Oxigénio, retêm água e equilibram o seu ciclo, protegem os solos da erosão e são suportes de biodiversidade. Todas as suas qualidades nos parecem ajudar a convergir para a ideia segundo a qual será um crime cortá-las para utilizarmos a sua madeira na construção. Temos consciência, por exemplo, da tragédia que está a acontecer nas florestas tropicais, onde a desflorestação selvagem é quase impossível de controlar.

Estas inquietações obrigam-nos a observar um pouco em pormenor o que se passa na floresta. A floresta, como diz Joachim Radkau no seu livro “Wood – A History”, tem sido objecto de um triângulo de relações tensas entre: o sector florestal, as indústrias transformadoras de madeira e os movimentos ambientalistas. No primeiro vértice, os donos da floresta, têm interesse em retirar dela o máximo proveito, com a condição de esta se poder perpetuar como fonte de receita. As indústrias de transformação, em princípio, poderiam ser vistas como o vértice mais nefasto uma vez que têm por objectivo retirar da floresta o máximo de madeira ao preço mais baixo.

Os ambientalistas, defendendo o interesse público, seriam, num primeiro momento, naturalmente defensores da sua conservação, combatendo simplesmente o corte de árvores e as acções dos outros dois vértices. Mas instados a olhar para o planeta numa escala global, e obrigados a encontrar alternativas à economia do petróleo acabam, numa segunda análise, por encontrar virtudes numa utilização económica, mas responsável, da floresta. Foi assim por exemplo que aconteceu na Alemanha em 2004 com a Charta für Holz (actualizada em 2017), fomentando o uso da madeira na construção, como medida de combate às alterações climáticas. Esta “Carta para a Madeira” obteve o apoio de todos os quadrantes e interesses, desde o Partido dos Verdes até às indústrias da madeira.


Colina coberta de árvores altas e finas em meio a névoa densa. Atmosfera misteriosa com luz difusa cinzenta ao fundo.
A recuperação da floresta após os incêndios, Vila de Rei, Portugal. Foto Luis Morgado.

Não é demais lembrar que o termo sustentabilidade surgiu primeiro no âmbito da gestão florestal. Já no século XIV em França se utilizavam, nas leis de protecção da floresta, o termo “soutenir”. Depois, em 1713 Hans Carl von Calowitz surge com o termo “Nachhaltigkeit” para se referir aos usos sustentáveis na floresta. Assim, os proprietários e produtores florestais, defensores da “floresta económica”, sempre tiveram preocupações com a sua renovação. Como reverso sempre tem havido por parte destes a perigosa tentação de optar por medidas de racionalização, nem sempre inócuas. Há por exemplo a tendência para serem procuradas espécies de crescimento mais rápido que permitem um maior número de rotações, mas que conduzem por vezes a monoculturas que colocam em causa a biodiversidade.

Quanto às indústrias de transformação, estas poderiam ser divididas em dois campos. De um lado estariam aquelas em que a qualidade estrutural e estética da madeira não é relevante para os produtos produzidos, como acontece com as indústrias de pastas de papel e com as que produzem materiais de construção com base em aglomerados e fibras. Do outro lado encontraríamos as indústrias em que a qualidade arquitectónica, visual e estrutural da madeira já é importante. Estas últimas têm um papel relevante a desempenhar na procura e no uso de produtos de mais qualidade, ajudando assim a travar a visão “low-cost” da floresta, que é a que impera em Portugal.

Os ambientalistas terão, como é óbvio, um papel fundamental na luta por uma floresta sustentável, nomeadamente através da pressão que fazem sobre as instituições para a implementação e aperfeiçoamento dos sistemas de certificação da florestal. A suam missão inclui a regulação do uso da floresta, deverão alertar para as desvantagens das monoculturas de baixo valor e para as vantagens da preservação da biodiversidade. A este nível veja-se o notável papel que a Quercus (Associação Nacional de Conservação da Natureza) tem desempenhado em Portugal.

Os arquitectos têm aqui um papel importante, enquanto aliados do vértice ambientalista. Esta aliança, que deveria ser natural, advém do facto de uma “economia da madeira” ser menos nefasta do que as “economias do aço e do betão”. Não nos esqueçamos que o impacto da construção no meio ambiente é enorme. Cerca de 50% do consumo mundial de energia e de 50% de consumo dos recursos mundiais devem-se ao sector da construção. Os arquitectos poderão ainda tirar partido da relação privilegiada com as indústrias de construção que deverão ser solicitadas a oferecer produtos de madeira mais qualificados. Já a relação com os produtores florestais, ainda que menos directa, poderá ter duas faces, uma de impulsionador e outra de regulador. Por um lado os arquitectos podem contribuir para o aumento do valor dos produtos florestais sempre que solicitem produtos de madeira. Por outro lado, colocam-se numa posição em que lhes é permitido exigir que só os produtos provenientes de florestas certificadas, e portanto geridas de forma sustentável, possam ser utilizados.


Trabalhador em construção usa serra elétrica em estrutura de madeira sob céu parcialmente nublado. Veste camiseta branca e luvas.
Luis em trabalho voluntário com o Habitat for Humanity em Winnipeg, Canada. Foto HHManitoba

Concluímos então que a utilização de madeira por parte dos arquitectos não só pode ser lógica, como pode ser também praticável. Mas, para os arquitectos Portugueses levanta-se um problema adicional. Uma abordagem arquitectónica que se queira reclamar ambientalmente responsável não se deve limitar à utilização de materiais de construção renováveis. Ditam todos os manuais de sustentabilidade que os materiais escolhidos para a construção devem ser, desejavelmente, de proveniência local. Poderemos então considerar que é irresponsável um arquitecto que em Portugal prescreva produtos de madeira provenientes do Canadá, da Alemanha, da Áustria ou da Suécia?

Sendo quase impossível encontrar madeira Portuguesa para estruturas, será aparentemente irracional optar em Portugal pela madeira, como opção estrutural. Apesar da enorme superfície florestal (35%) que tem o nosso território, os donos da floresta vêm-na como um fornecedor de produtos de baixo valor, em que a qualidade da madeira não é um factor importante. Esta é uma das razões porque a floresta é votada ao abandono, com as consequências trágicas que todos conhecemos. As indústrias especializaram-se na produção de produtos que exigem matérias-primas de baixo custo e assim o critério de plantação passa a ser a rapidez do crescimento das espécies. Os ambientalistas não conseguem lutar contra esta lógica, que se vai cristalizando. Os arquitectos por sua vez nem sequer vão a jogo e, com algumas notáveis excepções, rendem-se à lógica do betão e do aço. Todos se podem legitimamente desculpar dizendo que há um “ciclo vicioso” que é difícil de ser quebrado. O culpado será sempre o parceiro de negócio, que ou não procura madeira ou não oferece madeira. Se assim é, deveremos desistir da ideia de construir em madeira em Portugal?


Edifício de madeira cercada por capim alto sob céu azul claro. Ambiente tranquilo e natural, transmitindo sensação de calma e isolamento.
EVOA - Espaço de Visitação e Observação de Aves, Vila Franca de Xira, Portugal. Foto Luis Morgado

Admitindo que estamos de acordo acerca dos benefícios da substituição do betão e do aço por madeira, o argumento para o seu uso na construção será precisamente o da necessidade de quebrar o funesto “ciclo vicioso”. Se começarmos a utilizar madeira, ainda que seja importada, o mercado nacional começa a sentir-se pressionado. A lógica da reacção em cadeia pode funcionar. Imagine-se que os arquitectos começam a prescrever produtos de madeira. A indústria nacional poderá começar a pensar em produtos mais qualificados para competir com os produtos importados. Os produtores florestais, sentindo-se pressionada pela indústria, irão equacionar uma revisão da sua gestão “low-cost”, promovendo por exemplo a plantação de espécies de maior qualidade e de maior valor económico. A floresta começará lentamente a transformar-se numa paisagem mais valiosa e mais bela. Claro que este panorama pode levar anos a ser alcançado. Mas é a visão, ainda que longínqua, deste panorama que nos permite agora responder à pergunta inicial: Porquê usar a madeira na construção? Porque sabemos que todas as escolhas que fazemos hoje acabarão por ter impacto nas gerações que se seguem. Porque é necessário quebrar o ciclo vicioso. Porque é nossa responsabilidade, responsabilidade dos arquitectos portugueses, dos donos da floresta, das indústrias da madeira e da população em geral, fazer a escolha entre o imobilismo e a acção.


Luis Morgado



Visão de árvores contra o céu azul. Galhos esparsos, folhas verdes e poucas nuvens. Atmosfera tranquila e natural.



 
 
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